Portugal | E depois do adeus

Memórias da saudade,

Das terras de Portugal,
Primeiros meses de 2019

O ano anterior tinha sido arrebatador. Nunca Migs havia viajado tanto como naquele ano, nem nunca havia estado em tantos distintos lugares em tão poucos meses. Se o semestre de intercâmbio universitário passado na capital sul-coreana, Seul, contribuiu de forma expressiva para o adensar desses números, mesmo os restantes meses “em casa” tinham sido propícios a novas descobertas além-fronteiras.

Sem surpresas, estranhava o regresso. Era um retorno pelo qual havia ansiado ao mesmo tempo que o retardava. As longas e largas avenidas da cosmopolita Seul, repletas de arranha-céus e pequenos pontos de venda de comida de rua, esbatiam-se no traçado tradicional de Lisboa. O céu, esse enorme manto azul, estava igualmente soalheiro em ambas as longitudes e por isso, todas as pequenas semelhanças que dominavam os dias, faziam-no recordar o outro lado do mundo.

Vista panorâmica de Lisboa (desde o topo do elevador de Santa Justa)

Migs estava em casa, mas não era a mesma que meses antes havia deixado para trás. Um novo lugar havia adoptado esse mesmo nome e a convergência de significados totalmente opostos para um único símbolo, confundia-o. No calendário, pertinente naquela ocasião, reluzia uma data que se aproximava: o Carnaval. Nunca havia sido uma festividade particularmente acarinhada por Migs, todavia, aquele em particular, sê-lo-ia. Era o momento de reencontros e redescobertas. «Ainda bem que é numa terça-feira! Desculpa perfeita para fim-de-semana prolongado», pensava.

O caminho levava-o às raízes. Ao centro do país. Ao interior. Aos antepassados. Porventura, ao Portugal que, conhecendo, mais frequentemente se esquecia. A lugares recônditos da História e da sua história.

O carro deslizava pelos primeiros quilómetros de asfalto quando sobressaíam, sobretudo, placas e direcções. Todas diferentes das que lhe haviam roubado a atenção dos últimos tempos. Todas perceptíveis, mas ainda com a estranheza de estarem “distantes”. Era esse o propósito. Reduzir (ess)a distância. A física. A temporal. A emocional.

O Vale Glaciar do Zêzere, em pleno Parque Natural da Serra da Estrela

Era comum que uma “ida à terra” fosse um caminho inequívoco, sem contornos, de direcção única. Esta era diferente. Era para ir onde o vento os levasse e a estrada encaminhasse. Os desvios eram novas aventuras que anos do mesmo caminho nunca haviam proporcionado. O tempo pedia-lhes novos trilhos e um, ou uns, destino(s) incerto(s).

Desenhada nos braços da ria, Aveiro era o que temporadas de informações prometeram: única1. Recebido de forma acalorada pelos locais com quem trocava duas ou três palavras, Migs deambulava pelas ruas mais próximas e distantes aos canais – as artérias que fazem Aveiro vibrar. Os edifícios, alguns dos melhores exemplares de Arte Nova em Portugal, imbuíam-no cada vez mais no espírito cultural ocidental, europeu e nacional. Eram porta-estandartes do legado que carregava. O distinto sabor dos ovos moles de Aveiro, lavavam-lhe o paladar dos tons picantes do bem-amado kimchi 2 e até uma ou outra “picardia” ocasional no trânsito aproximavam-no do primeiro “mundo” que conhecera.

O centro da cidade de Aveiro e um dos principais canais com os moliceiros

Surpreendido com Aveiro, as quatro rodas rolavam novamente, agora com destino marcado e conhecido de longa data: o coração de Portugal, terras de Viriato, mas também coração de parte da sua história. Eram as terras mais longínquas das memórias que cultivava. Até certo ponto, ali crescera.

Antes de Seul, Viseu e Mangualde eram certamente as imagens que melhor se assemelhavam ao conceito de “segunda casa”. Eram reencontros com lugares específicos e reuniões familiares que desencadeavam memórias antigas, que quase funcionavam como algemas, acorrentando-o àquele lugar. A Portugal. Poderia ser cidadão do mundo, mas de pés e raízes assentes num ponto específico do globo. E esses sentimentos e emoções davam os contornos de sentido que aquela viagem personificava.

A escadaria que conduz ao Santuário Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego

No entanto, as estradas nunca dantes percorridas, naquela região, levavam-no a descobrir novas paragens e o entusiasmo dessas descobertas tão perto de casa, que embora lhe fossem mais facilmente reconhecidas, revelavam-se igualmente satisfatórias àquelas que o empurravam para a azáfama aeroportuária. Da escadaria que domina o centro de Lamego, avistava ao longe os planaltos que por ali sempre reinaram. O troço da Régua ao Pinhão desdobrava, pelas janelas do carro, longos socalcos cobertos de vinhas banhadas pelo Douro, cujas águas paradas se coloriam pelo sol de fim de tarde que se despedia do céu.

Começara como uma partida de destino incerto, para divagar. Tinha como propósito o reencontro com a sua identidade, o aculturar-se ao que sempre foi. Mas numa viagem, por cá ou por lá, quando o rumo se balanceia ao ritmo do momento, há lugar à surpresa, ao encanto, à descoberta. E assim, depois do adeus, um novo «olá» de mente mais aberta, com mais espaço a reencontros outrora esquecidos.

M I G S

1. Aveiro é denominada, sobretudo para fins turísticos, como a “Veneza Portuguesa”. Discordo desta designação, que embora seja perceptível, acredito que vende a imagem errada da cidade. Aveiro vale pelo que é, pela sua singularidade, pela ria, pelos exemplares de Arte Nova, pela doçaria tradicional, pelos habitantes e tantos outros motivos. Claro, pelos canais também. Mas reduzir tudo a uma comparação leviana não deveria deixar ninguém, particularmente, orgulhoso.

2. Kimchi é um prato típico coreano – à base de couve temperada com especiarias e posteriormente fermentada (fica picante) – que acompanha praticamente todos os pratos nas diferentes refeições ao longo do dia.

Algumas informações práticas sobre a história

  • A estrada nacional EN 222, em particular o troço entre o Peso da Régua e o Pinhão, é considerada uma das estradas mais bonitas do mundo (link disponível) e para os amantes de condução, uma das melhores para conduzir!
  • Embora no texto acima não esteja identificada, numa visita a Aveiro é imprescindível visitar-se a pitoresca Costa Nova (link disponível), nomeadamente os palheiros, antigos armazéns de material de pesca daquela pequena comunidade piscatória.
  • O concelho de Mangualde não é, certamente, dos mais turísticos no distrito de Viseu. No entanto, dispõe de uma vasta gama de pontos culturais de interesse, entre os quais se destacam, a Anta da Cunha Baixa – classificada como monumento nacional – e o palácio dos Condes de Anadia (link disponível), além de também poder servir como uma das portas de entrada para o Parque Natural da Serra da Estrela.

Gostaste da aventura e queres saber mais sobre o destino? Clica AQUI para mais informações sobre Portugal!

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10 thoughts on “Portugal | E depois do adeus

    1. Olá Irina! Como prometido, a publicação “made in Portugal” chegou! Queria que a primeira aqui dentro de portas tivesse um significado especial, daí a demora (e como sabes, nunca escrevo muito “em cima do acontecimento”.
      Que bom ler este teu comentário 😉

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      1. Temos todos diversas técnicas de trabalhos e sentires, e não existe problema nenhum com o tempo Migs, mais vale pouco e com qualidade do que muito sem sentido. 😉
        Estas tuas viagens cá dentro são muito interessantes também!
        Ficarei a aguardar as próximas viagens sejam dentro ou fora 😉 e tudo com o seu tempo.
        Beijo.

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  1. Afinal o “mundo” não é assim tão grande como possa parecer. Ligam-no as emoções e os detalhes, porque esses estão presentes em nós, seja onde for. Aqui, neste recanto, ou noutro mais além.
    Creio que o Miguel começou da melhor forma esta aproximação ao nosso belo país: viajando pelo conhecido descobrindo o desconhecido! Deambulando. Indo atrás de instintos e do “vamos ver como é”, com um olhar de curiosidade e principalmente com disponibilidade.
    Isto tudo para dizer que gostei muito deste post e com a forma como relacionou o espaço exterior com o seu espaço interior e o seu sentir.
    Como sempre, gosto muito da forma como escreve, usando frases curtas e no local certo.
    Boa continuação e muitas descobertas!

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    1. Olá Dulce, que bom receber este seu feedback! Sabia que esta história era há muito tempo aguardada por si, por isso o seu comentário é especial.
      Foi uma viagem diferente, sem dúvida. Um regresso e uma readaptação aliados a reencontros. Para lhe ser completamente sincero, acredito que o facto de ter vindo de vários meses inserido numa cultura contrastante, permitiu-me apreciar melhor e ver com melhores olhos todos estes recantos de Portugal 🙂
      Muito obrigado, mais uma vez! Um abraço

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    1. É verdade. Esta viagem aconteceu num momento diferente, num regresso de um mundo distante e duradouro e por isso, foi especial. Muito obrigado pela leitura e pelo comentário!
      Repito que é muito bom perceber como estas simples histórias pessoais têm um impacto também positivo em quem as lê 🙂
      Um abraço!

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