Grécia | Terras de Deuses, fronteiras intransponíveis

Memórias de mitos e lendas,

Do Athos ao Olimpo,
Agosto 2017

De uma perspectiva turística, a Grécia já havia deixado de ser um segredo há largas décadas. Afinal, sempre foi dos países que, em fases mais precoces, entram em todas as vidas. É inevitável estudá-la. A civilização. O pensamento. A filosofia. A democracia. A História. No entanto, como qualquer segredo que nunca é completamente revelado, mantém fronteiras intransponíveis, que, à distância, alimentavam o olhar e a curiosidade de todos.

Por terrenos escarpados e montanhosos, do Norte interior grego, serpenteavam pelo asfalto sinuoso, contornado por vastos mantos verdes que, no horizonte, se diluíam no azul turquesa do Egeu. O cenário era um verdadeiro Éden do paraíso reservado aos Deuses. Afinal, o aclamado Monte Olimpo erguia-se no fundo da paisagem.

O vale de entrada no Monte Olimpo

Não era, contudo, apenas o Olimpo que os seduzia. No pitoresco vilarejo de Litochoro, no sopé do “monte sagrado”, uma senhora contara-lhes sobre os exclusivos caminhos ocultos da região. Eram locais de reclusão. Homens e mulheres em realidades paralelas. Eram tradições seculares. Se uns se haviam aberto às estradas do turismo, outros permaneciam inalcançáveis (pelo menos, parcialmente inalcançáveis). E essa proibição tentava Migs.

Os Deuses da mitologia grega haviam consagrado a região, mas foi o Homem que materializou essa designação. Na península de Chalkidiki1, ela própria composta por três penínsulas, a região autónoma do Monte Athos é a casa de monges eremitas há longos séculos de História. Da península de Sithonia, Migs olhava para o cume do monte. O azul do céu tornava a imagem ainda mais nítida. A sensação de estar ali tão perto e não poder entrar era avassaladora. Do estatuto de autonomia conferido ao Monte Athos, estabeleceu-se que as visitas são limitadas, mediante pedido prévio, e que a entrada no território é completamente vedada a mulheres – ordem que se mantém há mais de um milénio. Esta era uma peça singular do “puzzle Europa”, que teimava em não encaixar, mas aceite em nome da liberdade religiosa – afinal, argumentavam, ser-lhes-ia mais simples e eficaz manter o celibato se não coabitassem, de todo, com mulheres.

A vista para o Monte Athos (ao fundo) a partir da península de Sithonia

Outrora, dali partiram para outras localidades dos Balcãs, fundando locais icónicos e de culto à Igreja Ortodoxa. Meteora tornara-se a protagonista desta criação, lenda e história. Não se cruzando a fronteira entre o céu e a Terra, o ideal de aproximação a Deus só seria alcançável em altitude e assim, aliado à reclusão social, os mosteiros construíram-se no topo de grandes rochedos e penhascos, de muito difícil acesso.

Se o Éden dos Deuses era o Olimpo, o Athos e Meteora eram também “Édens destes eremitas”. As paisagens surreais jamais haviam sido pensadas por Migs. Eram locais de fuga e reclusão, tranquilidade e inspiração. Segredos guardados pelas montanhas e pelo tempo e pelos séculos de histórias que contavam.

Os mosteiros de Meteora

Não era a primeira vez que Migs contactava com a realidade de reclusão por motivos espirituais, contudo, era contrastante sobretudo pela proximidade geográfica. Numa Europa que se dizia de livre circulação e valores universais, era intrigante ver estas excepções na nação que se autodenomina, a pátria da civilização e do pensamento democrático e moderno. Mais do que contradizê-las, era relevante questioná-las e compreendê-las. Ver como certos olhos vêem o mundo, ainda que este seja para ser observado a uma distância sempre preservada por ideais maiores.

M I G S

1. A península de Chalkidiki (ou Halkidiki) situa-se na região da Macedónia, no Norte da Grécia. A península é composta por três penínsulas, ou “pernas” conforme lhes chamam os habitantes locais: Kassandra, Sithonia e Monte Athos.

Algumas informações práticas relacionadas com a história

  • Não é aconselhável visitar todos os locais mencionados nesta história num só dia. As distâncias entre os vários pontos são consideráveis e deve-se dedicar tempo suficiente a cada um destes locais;
  • Os mosteiros de Meteora podem ser visitados. Hoje em dia, é um local com excelentes estruturas turísticas. Alguns mosteiros são ainda habitados por monges/freiras;
  • A região do Norte da Grécia é muito propícia ao aluguer de veículo próprio. Foi a decisão que tomámos e não nos arrependemos. Há muitos sítios cujo acesso não é fácil através de transportes públicos;
  • Para melhor compreenderes a História do Monte Athos e de Meteora, clica AQUI, AQUI e AQUI;

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15 thoughts on “Grécia | Terras de Deuses, fronteiras intransponíveis

  1. Estranhas contradições….mas algo compreensíveis à luz de uma fé que realmente não compreendemos… porque não a sentimos. Tal como racionalmente nos é difícil entender quem decide entrar para esses lugares de reclusão.
    São outros valores e regras… tão certos como os nossos quando decidimos engrenar neste mundo que tem tanto de belo como de louco.
    Gostei da questão levantada neste post.

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    1. Agradeço-lhe a sua reflexão sobre este post, Dulce. É bom ler opiniões e percepções 🙂
      Trouxe uma abordagem diferente da mais usual aqui pelas minhas histórias, mas pareceu-me um ponto de vista muito interessante numa viagem num país, dito mais “normal”.
      Muito obrigado, mais uma vez, pela presença assídua e pelos comentários sempre relevantes!

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  2. Desconhecia esta curiosidade sobre o monte Athos. Não sabia que ainda existem assim territórios que proíbem a entrada a mulheres em plena Europa.
    Ainda nos queixamos do mundo árabe…

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  3. Tb tenho dificuldade em entender os motivos de uma vida em reclusão.
    Tive pena que a pandemia tenha cancelado a viagem do meu filho mais velho para esta região da Grécia.
    Como sempre, um bem elaborado intinerário. E muita sensibilidade em seu texto.

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    1. Olá! Muito obrigado pela presença constante aqui e pelos comentários 🙂
      É realmente pena que tenha visto este plano de viagem ser cancelado. Esta região do Norte da Grécia é surpreendente! Apesar de não estar referido neste texto, a própria cidade de Salónica (Thessaloniki) é muitíssimo interessante – além de ser muito agradável para passear. Que o próximo ano seja diferente e permita realizar essa viagem! Qualquer ajuda ou dica de viagem, já sabem que podem contar comigo 🙂

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  4. Sendo eu uma amante de mitologia grega este post trouxe-me um belo panorama visual Migs.
    Quanto à fuga e reclusão, acredita que já passei por uma fase na minha vida, que ponderei esse caminho, por isso, creio que me leva um pouco a entender o porquê destas decisões. Claro que pesando os pós e contras, a decisão não foi favorável (só se fosse por um período curto de tempo). Mas passou, essa ideia passou.
    Um abraço Migs, como sempre um post elucidativo que nos carrega numa viagem.

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    1. Olá Irina. Muito obrigado pelas palavras sempre animadoras!
      Parece que este post combina questões que te são próximas. Já seguimos os blogues um do outro há tempo suficiente para que a tua paixão pela mitologia grega não me seja estranha. Mas desconhecia a outra parte do teu comentário.
      Aqui não foi tanto a questão da reclusão e do isolamento que me fez questionar, mas sim a autonomia do território e algumas regras específicas. Como já referi num comentário anterior, também nunca tinha tido conhecimento desta realidade até ali ter estado.
      É uma zona que te aconselho vivamente a visitar, ainda não é substancialmente divulgada pela comunidade do turismo 😉

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      1. Migs, acredita, há certas coisas que gostaria muito de ter experienciado na vida mas nunca foi possível, e sim, pensei… conforme referi não como caminho de vida, mas por um período de tempo.
        Foi tão bom trazeres estas informações, e é isto que gosto em te ler, trazes sempre aquelas pequenas curiosidades que acrescentam imenso e não são algo repetitivo que já vimos em algum lado. Daí sentir que vou sempre à aventura nos teus relatos.
        Continua, creio que tens muito de diferente do que se está acostumado a ver (e isso é muito bom).
        Beijinhos.

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    1. Olá! Antes de mais, muito obrigado pelas palavras 😉
      É verdade, estive uns tempos mais afastado, mas estou de regresso. Não poderia estar mais de acordo, tal como o “slogan” do Aguarela de Viagens indica, viajamos “pelos sítios, pelas gentes”, e aqui na Grécia não foi excepção!
      Um grande abraço e obrigado pela presença constante!

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    1. Olá Mariel! Peço desculpa por este atraso na resposta, mas têm sido dias preenchidos. Muito obrigado pela leitura e pela sua reflexão. Sem dúvida! Parecem-nos “contradições”, mas para eles faz todo o sentido. Ainda bem que pensamos diferente, porque é dessas diferenças que surgem novas ideias e onde está a riqueza multicultural do mundo! Um abraço 🙂

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