Memórias de um pacífico Inferno,
Hiroshima
Fevereiro 2017
*Nota Prévia: Celebra-se hoje o 75º aniversário desde o dia em que a cidade japonesa de Hiroshima foi dizimada pela primeira bomba atómica utilizada contra uma nação e seres humanos. Ainda se seguiria uma segunda bomba, largada pelos norte-americanos sob a cidade de Nagasaki (Japão), três dias depois. O Japão render-se-ia após Nagasaki e a II Guerra Mundial chegava, assim, formalmente ao fim.
A 6 de Agosto de 1945 o mundo mudou. Para a História ficou conhecido como o dia do início do fim da II Guerra Mundial e a data em que o mundo testemunhou uma força destrutiva e até então, desconhecida.
Banhada pelo oceano Pacífico, Hiroshima tornar-se-ia num ícone global, à semelhança das expressões «Little Boy»1 e «Enola Gay»2. A pacata e humilde cidade japonesa viria a transformar-se num terrível inferno para centenas de milhares de japoneses.
Mais de sete décadas após um dos dias mais negros da História, Migs avistava, pela oval janela do avião, as colinas e os planaltos que abraçavam, harmoniosamente, a cidade martirizada. O sol iluminava os variados tons verdes que coloriam a paisagem e ao longe, o azul celeste do céu fundia-se nas pacíficas águas do oceano. Quem adivinharia o cenário que outrora se pintou naquele lugar?

Renovada, a cidade apresentava-se cosmopolita e alegre, fosse de manhã ou de noite. O rio roubava as atenções a outras paragens. Sereno, calmo e pacífico. Um contraste com a agitação urbana dos grandes corredores comerciais de Hiroshima. Os caracteres japoneses, indecifráveis para Migs, eram acompanhados de sucintas traduções em inglês. Nos quiosques, nas lojas, nos restaurantes e, sobretudo, nas ruas.
Era pelas ruas, ruelas e becos que Migs compreendia o fenómeno global da cidade. Tornara-se um símbolo mundial. Um símbolo da paz. E era a essa ideia que os baptismos dos locais icónicos da metrópole faziam jus. «Jardim da Paz», «Avenida da Paz», «Beco da Paz», «Sino da Paz», «Memorial da Paz».

As históricas cicatrizes eram relembradas a cada metro, a cada esquina, a cada olhar. Era esse o legado de Hiroshima e era consigo o compromisso assumido pelos japoneses e pelos habitantes da cidade.
Os relógios que pararam (n)o tempo em 1945 converteram-se em atentos observadores do presente, outrora futuro. A cidade mudou. O planeta mudou. Mas os sobreviventes – vivos e inertes – conservaram as histórias que o novo mundo teria de ouvir, ler, ver. Testemunhar. Passo a passo, o Parque Memorial da Paz e adjacente Museu estavam cada vez mais próximos e se do ponto de visto turístico, seriam o expoente máximo do desvio a Hiroshima, Migs acreditava que a carga histórica e emocional do local descortinaria algo mais.


Um senhor japonês – que arriscando idade teria nascido entre os anos finais da guerra e os anos imediatamente seguintes – trilhava o seu caminho, naquela tarde fresca de início de Fevereiro, com o mesmo destino que Migs. A ânsia da descoberta do ritmo apressado dos passos de um chocava na tranquilidade desconcertante da pedalada do outro. E assim era, à medida que os cheiros do arvoredo dominante, na entrada daquela ilha central de Hiroshima, se integravam no ambiente pacífico criado pelo sol que ia fugindo para trás dos planaltos.
Cruzada a vegetação, ali estava o aguardado memorial, preservado pelos habitantes que por ali passavam. Ainda que o vissem diariamente, Migs via-os a cuidar as flores ali colocadas. Via-os contemplar a designada «Chama da Paz» que, honrando as vítimas, recordava o propósito da paz. Ouvia-os tocar o «Sino da Paz» que ecoava pelos braços do rio e pelas largas avenidas da cidade. Naquele memorial, envoltos num ambiente, premeditadamente, sensorial e acolhedor, refugiavam-se dos problemas do quotidiano. E era este simbolismo que mais marcava Migs. Um Inferno transformado em Céu, onde uma chama, um som e um olhar proibiam o regresso ao passado e davam azo à esperança para enfrentar o futuro.

A velocidade com que se dirigia até ali havia sido, subitamente, travada pela imersão na paz do local. Olhando em redor, perdera o acompanhante de percurso, que saído da sua bicicleta, havia-se instalado no “epicentro” do memorial, de frente para o “epicentro” da explosão atómica. E assim, com esta imagem singular, todavia perfeita, em mente, Migs dirigia-se ao Museu, certamente mais preparado para o choque da realidade vivida a 6 de Agosto de 1945.
M I G S
1. Little Boy foi o nome dado pelos norte-americanos à bomba utilizada em Hiroshima a 6 de Agosto de 1945.
2. Enola Gay foi o nome com que foi baptizado o avião que transportou a bomba atómica de Hiroshima. O avião foi baptizado em homenagem à mãe do piloto Paul Tibbets, ao leme do Enola Gay.
Algumas informações práticas de visita a Hiroshima
- Um dos modos mais simples de viajar pelo Japão é de comboio, utilizando a extensa e excelente rede ferroviária do país. No meu caso, cheguei a Hiroshima de avião, proveniente de Tóquio e o aeroporto fica a cerca de 50 km do centro da cidade. Não existe uma ligação directa de comboio, pelo que o autocarro é a opção mais económica para fazer o trajecto (aprox. 1 hora; ≈ 15€). Clica aqui para mais informações.
- A cidade de Hiroshima foi completamente reconstruída após a explosão da bomba atómica. Assim, deve-se compreender que alguns pontos históricos da cidade – nomeadamente o castelo – não são os edifícios originais.
- Devido à forte carga emocional histórica, este espaço deve ser respeitado, conservando o silêncio e evitando brincadeiras de mau gosto. Como deixei patente na história relatada, os habitantes locais sentem uma forte ligação ao local.
- O Museu do Memorial da Paz de Hiroshima é imperdível. É impactante, com muitas imagens explícitas, mas muito elucidativo. Uma paragem obrigatória!
- A partir de Hiroshima aconselho uma curta viagem à ilha de Miyajima.
Gostaste da aventura e queres saber mais sobre o destino? Clica AQUI para mais informações sobre o Japão!
Uma data sempre marcante e aqui bem lembrada através da sensibilidade e vivências do Miguel. Infelizmente agora ainda mais actual perante os acontecimentos do Líbano, cujo grau de destruição faz lembrar um pouco Hiroshima e Nagasakia. Dá para termos uma pequena ideia.
O horror pode acontecer em resultado de uma decisão, mas também pode resultar da omissão e desleixo, como aconteceu no Líbano. Uma e outra, são simplesmente o que não pode acontecer.
Admiro a capacidade do povo japonês em sublimar tanto horror em Paz, nessa paz que espalham e com todo o respeito alimentam.
Um povo/país de excessos, mas sem dúvida muito interessante.
Obrigada Miguel pela partilha e pela forma sensível como o faz.
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Olá Dulce! Agradeço-lhe a visita e o comentário, desde já.
Como sempre, tece considerações muito interessantes sobre o tema da história relatada. Sem dúvida que existe alguma “ironia” pelo facto da explosão em Beirute ter acontecido na véspera deste aniversário.
Creio que como não vivemos a realidade das bombas atómicas, esta explosão terá sido um acontecimento cuja intensidade e grau de devastação nos faz compreender ainda melhor a escala de destruição de Hiroshima e Nagasaki.
O povo japonês é tal qual o descreveu. De excessos em parte, mas peculiar e único pelo espírito de união, perseverança e respeito que o caracteriza.
Deixo-lhe uma última nota, que a aguardada história em Portugal já “vai sendo contada” 🙂
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Ficamos à espera!😊
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Daqueles acontecimentos que não devíamos mais esquecer. Grande partilha amigo!
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Nem mais, é isso mesmo! Obrigado pela visita e pelo comentário. Grande abraço amigos!
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Um belo memorial na pena sensível e humana de Migs.
Obrigado.
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É realmente um memorial com um misto de sentimentos. Torna-se impressionante testemunhar a tranquilidade e paz num local que foi o epicentro de um dia de terror.
Obrigado pela presença constante e pelo comentário tão agradável de ler! Um abraço.
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Emocionante
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Muito obrigado, caro Mariel. Fico contente por conseguir passar estas sensações através da escrita para quem me lê! Um abraço!
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Muito legal este post Miguel. Quando forpara o Japão, irei utilizar muitas destas informações.
Parabéns.
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Olá! Que bom saber que estes artigos também podem ajudar com informações (apesar de serem histórias de viagem e não tão informativos) 🙂
Muito obrigado pela visita e pelo comentário! Um abraço!
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Um fato terrível que não deve ser esquecido. Tenho muita vontade de conhecer o Japão e esse Memorial está na lista de lugares a visitar. Adorei a forma como você escreve, tamanha sensibilidade chegou a me emocionar. Obrigada por compartilhar sua experiencia conosco! Parabéns pelo blog, um abraço! 🙂
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Olá Andréa! Começo por agradecer o seu comentário tão simpático 🙂
O Japão é, sem dúvida, um dos meus países preferidos e claro, é “obrigatório” visitar este Memorial. Tive pena de não ter ido a Nagasaki também, mas fica para um regresso ao Japão.
Também gostei muito do seu blog, que ficarei a seguir e acompanhar.
Espero continuar a contar com a sua presença por aqui! Um abraço!
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Quanto conteúdo bom no seu blog, Miguel! Agora que parei para olhar com calma. Deu mais saudade ainda de cair no mundão! Beijos
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Olá Nicole! Que bom ler este comentário. Se foi agora que “entrou” definitivamente no espírito do blog, seja bem-vinda então 🙂
Apesar de ser um blog de viagens, faço-o de forma diferente, contando histórias pessoais ao mesmo tempo que apresento sítios e pessoas que conheço em viagem. É verdade, a saudade continua a crescer.
Esperemos que o próximo ano seja melhor!
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Esse formato é muito bom, Miguel! Particularmente, não gosto de blogs de viagens que divulgam roteiros. Tem coisas que é melhor ter a própria experiência. 🙂 Abraços e também espero um próximo ano melhor!!
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É óptimo também saber a opinião de quem me lê! Assim continuarei a apresentar as minhas viagens por aqui 🙂
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